O ajuste fiscal e corte de gasto
Marcos Cintra. No artigo “Ajuste recessivo”, publicado na revista Conjuntura Econômica da FGV
em março de 2015, afirmei que a literatura econômica comprova fartamente que ajustes
fiscais duradouros e de boa qualidade são aqueles que cortam gastos sem aumentar
impostos. Se bem executada, esta política possui nítidas vantagens: corta gorduras e
ineficiências, combate os “rent seekers” (agentes que tentam obter renda manipulando o
ambiente político), reduz a corrupção, diminui a demanda do setor público por poupança
privada e preserva a capacidade de investimento das empresas.
Já os ajustes que aumentam tributos, ainda que mais fáceis operacionalmente, não
possuem as mesmas qualidades, além de serem recessivos ao asfixiarem o setor privado
e o consumo das famílias.
Nesse sentido, o governo acertou ao colocar a ênfase inicial de seu ajuste fiscal
nos cortes de gastos e na aprovação da Lei do Teto. Contudo, a gestão de gastos se mostra
incapaz de cortar despesas para atingir as metas de déficit primário programadas.
Em parte, a estratégia do governo enfrenta dificuldades por repetir o erro cometido
em 2015 pelo ex-ministro Joaquim Levy, de Dilma Rousseff, que ao invés de fazer o
ajuste fiscal de forma concentrada em medidas estruturais fortes e definitivas enquanto
tinha credibilidade política para tanto, optou por uma estratégia fragmentada com cortes
de gastos pulverizados e sem avaliação objetiva de impactos e resultados de suas ações.
Vale lembrar, como demonstrou Rubens Penha Cysne no artigo “O custo de atrasar o
ajuste fiscal” publicado em 30 de agosto último no jornal Valor Econômico, que à medida
que a dívida pública cresce em relação ao PIB por força do ajuste incompleto “maior é o
saldo primário necessário para reverter sua trajetória...e desse modo, postergar a
correção de rumo torna o custo econômico do ajuste ainda maior”.
Vale enfatizar que são notórias as dificuldades de cortar gastos públicos em
sociedades como a brasileira, onde imperam o clientelismo e o corporativismo. A
fragmentação das restrições orçamentárias em inúmeras pequenas ações amplia os focos
de resistência e estimula a formação de frentes amplas contrárias aos cortes de gastos. O
resultado é previsível: o governo foi forçado a ampliar a meta de déficit primário e ao
mesmo tempo aumentar a carga tributária, uma tóxica combinação de políticas
econômicas se se pretende recuperar a atividade econômica do país.
A revisão da meta é péssima sinalização para o mercado, ainda que não afete o
ajuste fiscal imposto pela Lei do Teto. A elevação de impostos debilita a fraca retomada
da atividade econômica que, por sua vez, acha-se ancorada quase que exclusivamente na
queda da inflação e na utilização de capacidade ociosa.
Ajustes fiscais são necessários em qualquer economia. O Brasil precisa fazê-lo de
modo estrutural para voltar a crescer. O corporativismo e o clientelismo associados aos
gastos obrigatórios e ao modelo orçamentário incremental que vigora no país criam uma
combinação que torna difícil reduzir despesas. Uma saída necessária é flexibilizar a
gestão das contas públicas, facilitando o corte de gastos, por meio da adoção do
orçamento base zero, sistema que permite transferir recursos de programas de baixo
retorno social para aqueles que geram maior benefício para a sociedade. Trata-se de uma
inovação financeira que precisamos adotar o quanto antes.
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Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular da
Fundação Getulio Vargas. É autor do projeto do Imposto Único. É presidente da Finep
(Financiadora de Estudos e Projetos).
www.facebook.com/marcoscintraalbuquerque